O diretor do Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), Adriano Nuvunga, denunciou que o processo judicial movido contra o político Venâncio Mondlane é um expediente deliberado com motivações políticas, visando afastá-lo das eleições gerais de 2028 e impedir a legalização do partido político que o mesmo tenta registrar. Em declarações à Deutsche Welle (DW), Nuvunga considera que a justiça moçambicana está a ser “instrumentalizada para fins políticos imediatos”.
“Desde o início deste ciclo eleitoral, as instituições da justiça sempre estiveram partidárias, sempre a proteger os interesses do partido no poder, e não o interesse público de participação, da integridade e da transparência”, afirmou o académico.
Para o diretor do CDD, o processo contra Mondlane está inserido num padrão recorrente na política moçambicana: enfraquecer opositores através de mecanismos judiciais, afastando-os da arena política por meio de acusações e processos arrastados. “Este expediente é claramente parte da judicialização da política. É um instrumento montado e organizado para travar a participação política ativa do Venâncio, enfraquecê-lo e impedi-lo de legalizar o seu partido”, acrescentou.
“Querem manter Venâncio em ‘rede curta’”
Segundo Nuvunga, o conjunto de acusações imputadas a Mondlane, que incluem crimes como incitamento ao terrorismo e à desobediência coletiva, tem como objetivo não apenas retirá-lo da corrida eleitoral, mas também limitar os seus movimentos e atividades políticas.
“A forma como o processo é conduzido e o timing da sua formalização indicam uma estratégia para manter o Venâncio em rede curta, impedindo que continue a fazer política, dentro e fora do país”, denunciou.
Mesmo após o encerramento do processo eleitoral de 2024, Mondlane tem realizado viagens internacionais e participado em fóruns sobre Moçambique, o que, segundo o académico, incomoda o poder político estabelecido.
“É exatamente isso que os políticos fazem em democracias — fazem política, criam partidos. E é isso que o Venâncio está a fazer. Mas este processo aparece para intimidá-lo, enfraquecê-lo e impedi-lo de continuar”, reiterou Nuvunga.
Impedimento do registo do partido
Outro ponto crítico destacado por Nuvunga é que o processo poderá ser usado como pretexto para inviabilizar o registo legal do novo partido de Mondlane. “Em democracias, os políticos participam através de partidos políticos legalizados. Se o líder está a responder a processos desta natureza, isso pode ser usado para frustrar o registo da sua força política”, argumenta.
“Este expediente tem também o propósito de impedir que ele cumpra os prazos legais para o registo do partido. É uma manobra calculada para frustrar direitos políticos fundamentais consagrados na Constituição”, afirmou o professor.
“O verdadeiro terrorismo foi cometido por quem devia proteger”
Sobre a acusação de incitamento ao terrorismo, Nuvunga é categórico ao rejeitar o enquadramento jurídico dado pelo Ministério Público. Para ele, a definição de terrorismo em Moçambique deve referir-se, essencialmente, à violência armada em Cabo Delgado, e não aos protestos pós-eleitorais de 2024.
“O que se viu após as eleições fraudulentas foram manifestações populares reprimidas violentamente. Quem matou mais de 500 pessoas com balas disparadas por agentes com armas do Estado, muitos sem uniforme, foi quem devia proteger o Estado de Direito. Isso sim é terrorismo”, disparou.
Nuvunga defende que as manifestações convocadas por Mondlane ocorreram num contexto de revolta social legítima e que o nível de violência só escalou devido à repressão policial.
“Foi a repressão que matou, foi o Estado que disparou sobre civis desarmados. Quem assistiu às imagens nas avenidas Eduardo Mondlane e outras sabe disso. Isso é que é terrorismo urbano promovido por quem devia defender os direitos humanos”, afirmou.
Questionamentos à acusação do Ministério Público
Sobre a substância da acusação, Nuvunga mostrou-se cético em relação às provas que sustentariam a imputação de crimes como incitação ao terrorismo. “Não nos parece, por tudo o que vimos nas lives do Venâncio, que tenha havido incitação ao terrorismo. Pode ter havido algo ligado à desobediência civil, o que é diferente e até previsto em contextos democráticos”, argumentou.
“O Ministério Público pode escrever o que quiser e submeter ao tribunal. Mas caberá ao juiz decidir com independência. O problema é que essas instituições nem sempre agem com imparcialidade. Atendem muitas vezes aos interesses de quem os nomeia”, afirmou.
Os crimes imputados a Mondlane
O despacho de acusação do Ministério Público imputa a Venâncio Mondlane os seguintes crimes, em concurso real de infrações:
- Apologia pública ao crime (Art. 346.º, n.º 1 do Código Penal)
- Incitamento à desobediência coletiva (Art. 396.º do Código Penal)
- Instigação pública a um crime (Art. 345.º, n.º 1 do Código Penal)
- Instigação ao terrorismo (Art. 13.º da Lei n.º 15/2023, conjugado com o Art. 11-A da Lei n.º 4/2024)
- Incitamento ao terrorismo (Art. 14.º, n.º 1 da Lei n.º 15/2023, também conjugado com a Lei n.º 4/2024)
Para Nuvunga, estas acusações estão “forçadas” e fazem parte de uma tentativa do regime de “usar o sistema judicial como arma política”. Ele alerta ainda para os riscos de uma democracia que se fecha ao pluralismo político e à reconciliação nacional.
“O país precisa de reconciliação, de justiça para as vítimas e de um diálogo aberto. Ao invés disso, recorre-se à perseguição judicial para silenciar opositores. É um retrocesso grave”, concluiu.
Fonte: Deutsche Welle (DW)
Redação: Índico Magazine