Em um golpe sem precedentes para o Sistema Nacional de Educação em Moçambique, as avaliações finais do segundo trimestre foram anuladas em quase todas as escolas secundárias do país devido ao uso generalizado de ferramentas de Inteligência Artificial (IA), como o ChatGPT, para resolver provas. A decisão, anunciada pelo Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH), afeta milhares de alunos e expõe as vulnerabilidades do sistema educacional face à revolução tecnológica. Especialistas alertam que essa dependência de IA não só compromete a integridade acadêmica, mas também ameaça o desenvolvimento cognitivo das gerações futuras.
Tudo começou quando professores e supervisores notaram padrões suspeitos nas respostas submetidas durante as avaliações do segundo trimestre, realizadas entre junho e julho de 2025. Em províncias como Maputo, Sofala e Nampula, relatórios indicaram que alunos utilizavam smartphones e aplicativos de IA para gerar respostas instantâneas a questões complexas de disciplinas como Matemática, Português e Ciências. "As respostas eram impecáveis em termos gramaticais e lógicos, mas idênticas em estrutura e conteúdo, algo impossível sem assistência externa", explicou o diretor de uma escola secundária em Beira, que preferiu anonimato.
De acordo com o MINEDH, investigações preliminares revelaram que mais de 70% das escolas secundárias relataram indícios de uso de IA, levando à anulação coletiva das provas para preservar a equidade. "Não podemos validar resultados que não reflitam o conhecimento real dos alunos", declarou a Ministra da Educação, Carmelita Namashulua, em conferência de imprensa. A medida afeta aproximadamente 150 mil estudantes, que agora terão de repetir as avaliações sob supervisão rigorosa, incluindo proibições totais de dispositivos eletrônicos. Essa não é a primeira vez que Moçambique enfrenta fraudes, em exames de 2015, provas foram canceladas em nove escolas por corrupção tradicional, mas o elemento tecnológico adiciona uma camada de complexidade inédita.
Enquanto ferramentas como o ChatGPT, desenvolvido pela OpenAI, prometem democratizar o acesso ao conhecimento, seu impacto negativo no setor educacional tem sido amplamente documentado. Estudos globais indicam que o uso excessivo de IA pode levar a uma redução na capacidade de pensamento crítico e resolução de problemas entre os estudantes.
Em Moçambique, onde o sistema educacional já enfrenta desafios como falta de recursos e desigualdades regionais, essa tecnologia agrava o problema ao promover a desonestidade acadêmica. Mais de um quarto dos professores nos EUA, por exemplo, relatam que ferramentas de IA causam mais danos do que benefícios na educação K-12, com preocupações semelhantes ecoando em contextos africanos.
Um dos principais riscos é a erosão da aprendizagem autêntica. Alunos que dependem de IA para completar tarefas perdem oportunidades de desenvolver habilidades essenciais, como memória, criatividade e análise independente. "O ChatGPT pode responder qualquer pergunta, mas não ensina o aluno a pensar por si mesmo", afirma o educador moçambicano João Mendes, da Universidade Eduardo Mondlane. Além disso, há o risco de viés algorítmico: algoritmos treinados em dados predominantemente ocidentais podem perpetuar desigualdades culturais, afetando negativamente alunos em países como Moçambique, onde o conteúdo local é sub-representado.
Pesquisas recentes mostram que o uso de ChatGPT está ligado a pontuações mais baixas em testes, pois inibe o esforço cognitivo necessário para o aprendizado profundo.
Outro aspecto alarmante é a desigualdade social exacerbada pela IA. Nem todos os alunos em Moçambique têm acesso igual a internet ou dispositivos, criando uma divisão entre aqueles que podem "cabular" com ferramentas avançadas e os que não podem. Isso enfraquece o princípio de equidade do Sistema Nacional de Educação, potencialmente levando a uma "queda na educação e no pensamento crítico", como alertado por analistas internacionais. No longo prazo, uma geração dependente de IA pode enfrentar dificuldades no mercado de trabalho, onde habilidades humanas como inovação e ética são valorizadas.
Diante dessa crise, educadores propõem estratégias para mitigar os riscos da IA sem rejeitá-la completamente. Uma abordagem imediata é reforçar a supervisão durante as avaliações: exames manuscritos sob vigilância de fiscais, proibição de dispositivos e uso de diferentes conjuntos de questões para cada aluno.
Em Moçambique, o MINEDH planeja implementar câmeras de vigilância em salas de exame e treinamentos para detecção de padrões gerados por IA.
A longo prazo, a integração de literacia em IA nas currículos é essencial. "Devemos ensinar os alunos sobre os limites éticos da tecnologia e promover discussões abertas sobre integridade acadêmica", sugere Mendes.
Estratégias como avaliações em duas vias, combinando testes tradicionais com projetos que focam no processo de aprendizado, podem desencorajar o uso indevido de IA. Além disso, assumir que os alunos usam IA e projetar provas que testem conhecimentos personalizados ou em tempo real, como perguntas baseadas em experiências individuais, é uma tática inovadora.
Instituições globais recomendam banir telas em salas de aula e eliminar aulas online para avaliações sensíveis, priorizando interações presenciais.
Em Moçambique, parcerias com organizações internacionais poderiam fornecer ferramentas de detecção de IA, adaptadas ao contexto local. Finalmente, focar no processo sobre o produto, avaliando rascunhos, reflexões e discussões, incentiva o aprendizado genuíno e reduz a tentação de trapacear.
O incidente das avaliações anuladas serve como alerta para que Moçambique reformule seu sistema educacional à luz da era da IA. Enquanto o ChatGPT e similares oferecem potencial para apoio educacional, seu mau uso ameaça os pilares da aprendizagem. Com medidas proativas, o país pode transformar esse desafio em oportunidade, garantindo que a tecnologia sirva à educação, e não o contrário. O futuro dos jovens moçambicanos depende disso.
Redação: Índico Magazine