Simpósio alusivo aos 63 anos da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e aos 50 anos da Independência Nacional ficou marcado por um dos discursos mais provocadores do evento. O sociólogo, docente universitário e comentador político do programa Pontos de Vista da STV, Hélder Jauana, proferiu uma intervenção que abalou os alicerces do partido no poder, com críticas duras à estrutura interna, à forma de governação e à crise de valores que, segundo ele, afeta gravemente a organização.
Num tom direto e carregado de indignação, Jauana acusou a FRELIMO de se desviar dos seus princípios fundacionais, afirmando que “postos de relevo são ocupados atrás da compra de consciência”. Para o académico, os cargos de direção dentro do partido não são atribuídos com base em mérito, ideologia ou compromisso com o povo, mas sim com base em interesses económicos. “Copta-se, copta-se, copta-se... quer dizer, é o dinheiro que é mais importante para ocupar lugares”, denunciou.
Jauana também afirmou que a composição dos órgãos do partido não abre espaço para representantes das massas e que estas estruturas estão “controladas por pessoas com dinheiro”. A sua crítica visou diretamente a contradição entre o discurso histórico da FRELIMO – como partido de massas, dos camponeses e operários – e a realidade atual em que, segundo ele, os dirigentes são oriundos de círculos elitistas e afastados das bases populares. “Olhem para os órgãos da FRELIMO. Diz-se que é um partido de massas. Mostrem-me um camponês. Mostrem-me o indivíduo das massas. Os órgãos estão totalmente controlados por aqueles que dominam”, provocou.
Durante o simpósio, cujo tema era refletir sobre os 50 anos de independência e os 63 anos da existência da FRELIMO, o sociólogo lançou críticas ainda mais profundas, chegando a dizer que o partido “se transformou de um partido de camponeses para uma oligarquia mafiosa”. A expressão, carregada de simbolismo e impacto, gelou a sala e expôs tensões latentes entre os participantes, muitos deles membros históricos e figuras de relevo do partido.
Outro ponto de destaque do discurso foi a denúncia de que existe “assassinato de caráter entre os membros”, sobretudo durante os períodos eleitorais. Segundo Jauana, “o partido está minado por lutas de interesses, interesses de grupos”, sendo que as campanhas internas são marcadas por práticas de exclusão, difamação e manipulação tribal. “A tribo que se diz foi combatida, a tribo é resgatada em todos os momentos eleitorais, com o discurso de que este não é nosso, e com o discurso de que quem paga mais, entra”, afirmou.
Ao refletir sobre os desafios do presente, o sociólogo chamou à responsabilidade a nova geração de líderes: “O mundo, este é o desafio de um líder: a quem eu busco, que tenha a capacidade de ouvir, aprender e mudar o mundo. Mudar o mundo é mudar Moçambique. E Moçambique que nós conhecemos é um contexto de miséria, um contexto de pobreza”, afirmou, ligando diretamente a crise social do país à deterioração das práticas políticas internas da FRELIMO.
As declarações de Jauana rapidamente ganharam eco nas redes sociais e nos meios académicos, com reações mistas: enquanto uns aplaudem a coragem e a frontalidade do académico, outros criticam o tom, que consideram radical e desrespeitoso com a história do partido. No entanto, mesmo os críticos reconhecem que as palavras do sociólogo colocam em evidência um debate essencial: o da renovação interna, da transparência e da reconexão com as bases sociais que outrora constituíram o pilar da FRELIMO.
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Redação: Índico Magazine ||