De acordo com dados oficiais e relatórios jornalísticos compilados, o problema persiste há uma década, com auditorias e provas de vida anuais que, paradoxalmente, falham em prevenir novas inscrições fraudulentas. Em 2015, o Instituto Nacional de Segurança Social (INSS) descobriu mais de 2 mil pensionistas "fantasmas" na cidade de Maputo, identificados através de uma prova de vida que expôs nomes de beneficiários falecidos ou inexistentes. Três anos depois, em novembro de 2018, o então director do Ministério da Economia e Finanças (MEF), Feliciano Chavana, chocou o país ao revelar a existência de 31 mil funcionários públicos fantasmas na lista salarial nacional, um número "astronómico" que ninguém sabia quem eram, conforme declarou na altura.
O ciclo continuou nos anos seguintes. Em agosto de 2023, uma auditoria do Ministério da Administração Estatal e Função Pública estimou que o Estado havia perdido 725 milhões de meticais nos sete anos anteriores, pagos a mais de 3.200 funcionários fantasmas, muitos dos quais não compareceram às provas de vida obrigatórias. Em julho de 2024, o Fundo Monetário Internacional (FMI) alertou para a necessidade de cortar 5 mil "trabalhadores fantasmas" como condição para apoio financeiro, uma medida que o Governo prometeu implementar. Pouco depois, em agosto de 2024, uma auditoria de dois anos (abrangendo 2015-2017) identificou 30 mil funcionários inexistentes, custando ao país 20 milhões de euros em salários e pensões indevidas.
Agora, em 2025, o padrão repete-se com força renovada. No dia 29 de setembro, o jornal O País noticiou a detecção de mais de 18 mil funcionários fantasmas no país inteiro, a maioria falecidos ou desvinculados que, por conivência ou falhas sistémicas, mantinham-se na folha de pagamento. "É um ciclo que drena recursos essenciais num país em crise económica, onde cada metical perdido poderia ir para saúde ou educação", comentou um analista do Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), contactado pela reportagem. O Ministério da Administração Estatal confirmou os números, mas não avançou com estimativas de prejuízo imediato, prometendo uma investigação aprofundada.
Especialistas atribuem o ciclo a fragilidades no Centro de Desenvolvimento de Sistemas de Informação de Finanças (SDCIF), responsável pela gestão da tabela salarial única, aprovada em 2023 pela Assembleia da República. "Apesar das provas de vida anuais e da informatização, as fraudes persistem porque envolvem redes internas: folhas de pagamento manipuladas, conivência bancária e forjações em categorias superiores", explica o jurista Damião Cumbane, que já analisou casos semelhantes. Ele recorda que, em 2018, os 31 mil fantasmas equivaliam ao tamanho do exército nacional criado pelo Acordo Geral de Paz, um "exército invisível" que delapida o Estado sem prestar serviço.
O FMI, em relatórios recentes, insiste na urgência de reformas, incluindo auditorias independentes e biometria obrigatória para provas de vida. No entanto, críticos apontam que promessas de 2024, como o corte de 5 mil fantasmas, não impediram a descoberta de 18 mil em 2025. "É um problema de confiança e impunidade: quem investiga muitas vezes beneficia do esquema", acusa Cumbane.
Estes escândalos recorrentes custaram a Moçambique centenas de milhões de meticais em uma década, num contexto de dívida externa elevada e dependência de doadores internacionais. O Governo anunciou, esta semana, a criação de uma comissão especial para remover os 18 mil fantasmas de 2025 e recuperar fundos, mas opositores na Assembleia da República exigem transparência total, incluindo nomes e responsáveis.
Redação: Índico Magazine